•  sexta-feira, 26 de abril de 2024

Papai Noel de saco cheio

Quando era criança achava um disparate a letra da música “Papai Noel Velho Batuta” da banda Garotos Podres que, liderada por João Gordo, dizia querer matar o pobre velhinho. Só muito tempo depois fui entender a crítica social que dizia que o “porco capitalista” presenteia os ricos e cospe nos pobres.

A mensagem, embora colocada de forma cruel e dolorosa, não deixava de ser verdadeira e me remete à outra crítica, essa menos social e mais filosófica. Foi feita por Leigh Emerson, personagem assassino que odiava o Natal interpretado por Ian McShane na segunda temporada de American Horror Story – Asylum. Não recordo as palavras exatas que ele usa, mas o resumo é que ele acusa o Papai Noel de ter criado uma situação “ganha-ganha”: se a criança recebe o presente, mérito do Papai Noel. Se não ganha, a culpa é apenas dela mesmo, por não ter sido um bom garoto (ou garota).

Bom, particularmente, eu nunca acreditei no Papai Noel, o que era bom para ele e ruim para o meu pai, que não me deu presente em todo Natal e fortaleceu meu caráter o suficiente para que não me preocupe com isso; aliás, o significado da data nem é trocar presentes, necessariamente, mas perdoar, celebrar o nascimento de Jesus Cristo (para os Cristãos), e etc.

Mas, fazendo um exercício de imaginação, caso o Papai Noel tivesse que visitar as casas neste ano (com máscara e carregando álcool em gel), como seria?

Bom, para começo de conversa, descer pela chaminé não cola aqui no Brasil de jeito nenhum. Aliás, quem teve essa “brilhante” ideia de jogar um velhinho rechonchudo no fogo? – sim, a chance da fogueira estar acesa é grande. As roupas do Papai Noel também não condizem com nosso clima tropical e a não ser que ele quisesse sofrer um desmaio suando em bicas, teria de usar trajes mais leves.

Outra coisa que sempre achei estranho é colocar os pedidos em meias. O quê? Seria Papai Noel também um fiscal de chulé? Estar com a meia cheirosinha seria um critério para entrar na lista de crianças boazinhas? Hum. Talvez isso explique minha falta de presentes natalinos…

Mas num ano tão atípico como este, em que enfrentamos mundialmente a pior pandemia dos últimos 100 anos (ainda sem data para terminar), Papai Noel teria material de sobra para avaliar quem foi merecedor do presente. Usou máscara? Respeitou distanciamento social? Furou quarentena e saiu espalhando vírus para os outros? Chamou de gripezinha? Disse que a vacina transforma pessoas em jacaré? Disse que ia morrer “só” uns 8 mil? São todos critérios interessantes para se avaliar.

A verdade é que o melhor presente para este Natal seria evoluir e avançar para um novo normal, não igual vivíamos antes, mas aproveitando tudo que aprendemos (ou deveríamos ter aprendido) durante essa pandemia para construir um mundo melhor. Infelizmente, isso ainda é impossível e se em vários países a expectativa é mais animadora por conta do início da vacinação contra o vírus, por aqui ainda estamos discutindo se vacina, algo que já é utilizado para erradicação de doenças há mais de cem anos, é boa.

Em um país que tem mais de 200 milhões de pessoas e com uma área como a do nosso, em que há regiões de acesso ainda remoto, o planejamento, a logística, a seriedade e a preocupação com a saúde da população deveriam ser prioridades. Nada disso é. E seguimos com gente acreditando que pegar o vírus é mais eficiente do que se vacinar, enquanto nos aproximamos dos 200 mil mortos (só os EUA nos superam e já vacinaram mais de 1 milhão de pessoas).

Enfim, se Papai Noel tiver um pouco de bom senso, vai mesmo é passar longe do Brasil nestas festas.

Por Luciano Rodrigues

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