•  terça-feira, 23 de abril de 2024

Beco do Batman é pintado de preto em homenagem a artista morto por PM; irmã quer justiça

“Por que a vida do meu irmão valeu tão pouco?” perguntou nesta segunda-feira (30) a irmã do artista plástico morto por um policial militar à paisana após discussão no sábado (29) na Vila Madalena, bairro boêmio da Zona Oeste de São Paulo.

Neste fim de semana, o Beco do Batman, tradicional reduto cultural da região, teve seus muros famosos pelos grafites coloridos pintados de preto em sinal de luto e protesto, com frases pedindo Justiça pelo assassinato de Wellington Copido Benfati, conhecido como NegoVila Madalena, de 40 anos.

Apesar de ter alegado legítima defesa para atirar no artista, o sargento da Polícia Militar (PM) Ernest Decco Granaro, de 34 anos, foi detido em flagrante por outros policiais militares e acabou indiciado por homicídio na Polícia Civil.

O G1 não conseguiu localizar a defesa do suspeito para comentar o assunto até a publicação desta matéria. O policial está no presídio da PM Romão Gomes, na Zona Norte.

Testemunhas contaram na delegacia, que fica perto do local do crime, que viram Ernest atirar no peito de NegoVila quando ele estava deitado no chão sem representar qualquer risco ao policial.

A investigação do caso é feita pelo 14º Distrito Policial (DP), em Pinheiros. Policiais ouvidos pela reportagem informaram que tentam localizar câmeras de segurança que possam ter gravado o crime. Ele foi cometido na madrugada do último sábado próximo a uma distribuidora de bebidas e um posto de combustíveis, entre as ruas Deputado Lacerda Franco e Inácio Pereira da Rocha.

Irmã pede justiça

Segundo a enfermeira Tatiane Benfati, de 43 anos, irmã de NegoVila, testemunhas lhe contaram que o irmão tentou apartar uma briga do amigo dele com outras pessoas. Em seguida, segundo os relatos, o PM, que estava sem uniforme, deu um soco no artista, que revidou.

“Não sei se o policial olhou nele [NegoVila] com raiva porque era negro ou porque meu irmão bateu nele. O que faria ele matar meu irmão?”, indaga Tatiane. “Por que a vida do meu irmão valeu tão pouco?”

De acordo com o boletim de ocorrência do caso, o sargento alegou que estava de folga e atirou no artista plástico em legítima defesa após ser cercado por pessoas que “tentavam ‘tomar’ sua arma de fogo, tendo o indiciado disparado sua pistola a fim de repelir a injusta agressão que estava sofrendo”.

Mas quatro das sete testemunhas ouvidas na delegacia deram outra versão que foi determinante para o entendimento da autoridade policial de que o PM atirou no artista para matar e não para se defender.

“Apresentaram versão dos fatos em que Decco, após um primeiro disparo – que não acertou a vítima, mas que a deitou no chão – disparou uma segunda vez contra Wellington, em cenário em que a vítima ainda se encontrava caída no chão, acabando por ceifar a sua vida”, informa trecho do boletim de ocorrência do caso.

Ainda segundo as testemunhas, o sargento iria atirar novamente em NegoVila, mas uma amiga da vítima se jogou sobre o artista para protege-lo e pediu “para o indiciado não mais machucar a vítima”.

Como o local é próximo à delegacia, que fica na rua Deputado Lacerda Franco, outros agentes da PM que estavam no distrito policial registrando uma ocorrência saíram quando ouviram dois disparos de arma de fogo. E foram ver de onde vinha o barulho.

Os policiais militares disseram que chegando próximo a uma distribuidora de bebidas e um posto de combustíveis encontraram pessoas dizendo que um homem perto de uma árvore tinha atirado e ferido uma pessoa. E que estava apontando a arma para outras pessoas.

O atirador, “apresentando ainda dificuldade para falar e sinais de embriaguez”, se identificou como policial militar, mas não queria obedecer as ordens dos outros PMs para largar a arma e se entregar. Foi preciso que um outro policial militar o desarmasse. Em seguida, Ernest foi algemado e levado ao 14º DP.

Enquanto isso, NegoVilla estava caído no chão. Em seguida, uma ambulância o levou ferido ao Pronto Socorro da Lapa, onde ele não resistiu aos ferimentos e morreu.

Beco do Batman

O assassinato do artista causou indignação e protestos artísticos na Vila Madalena.

“Estou muito triste, muito chocada. Meu irmão não era só da minha família, não era só nosso, ele é da vila Madalena”, disse Tatiana, que se despediu de NegoVila no domingo (29), no Cemitério da Lapa. “O enterro dele não poderia ser diferente do que foi. Com muita música, muito batuque, muita alegria, muita indignação. Foi muito bonito”.

Para cobrar justiça das autoridades, os amigos de NegoVila decidiram pintar os muros do Beco do Batman de preto, em sinal de luto. Nele foram escritas frases como “Justiça – Na Vila Madá, é assim: o samba e o rap não têm fim”.

Segundo a irmã, além de artista plástico, NegoVila era rapper, skatista, grafiteiro e ajudava em produções e locações para filmes de cinema e comerciais.

“Era muito feliz. Ele tinha uma paixão pela Vida Madalena. Meu pai nasceu na Vila Madalena. Então em agosto ele foi morar numa casa com amigos”, lembra Tatiane.

 

“Tanto que o apelido dele, NegoVila, é por causa dessa identificação com o bairro”, comenta a irmã, que recebeu um shape do skate que era do seu irmão, autografado e com mensagens dos amigos. “Ninguém assinou livro de presença. A presença deles ficou no skate, outra paixão dele”.

Filho de um negro e de uma mulher branca, NegoVila aparece como sendo de cor ‘parda’ na sua identidade. “Mas ele sempre se considerou negro”, rebate a irmã, que também se vê como mulher negra. Seus pais, já falecidos, tiveram cinco filhos.

Tatiane comentou que ainda não é possível saber se seu irmão foi morto por racismo, mas ela suspeita que isso possa ter ocorrido. O policial que atirou é branco.

“Eu não posso afirmar que teve racismo, mas não vejo outro motivo”, falou a enfermeira.

 

NegoVila deixa uma filha de 9 anos de idade, fruto de um relacionamento anterior, e arte espalhada na Vila Madalena, onde viveu.

G1

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